quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

02. O Poeta e A Contradição



O Poeta e A Contradição

Ele era um poeta
Que possuía rascunhos salvos
Em seguros arquivos
No seu banco de dados.
Já não usava o caderno
Pra rabiscar poemas obtusos...
Nem sorria ao cantar
Pois sua voz não cortava o silêncio

Seu tempo era tão inexato...
Estava sempre atrasado
Nos encontros marcados
Seu coração sofria sanção da ONU
Por alimentos e por remédios
Trocava seus versos

Ele era um poeta, se fingia atleta
Em passos pesados
Contrários ao fluxo
Hegemônico do caminho pisado
Ele era um libertário
Que vivia preso
Aos limites e prazos
Do relógio despótico

Seus amores eram tão normais:
Fria burocracia, acordos bilaterais
Suas paixões, sua poesia...
Nos carimbos dos recibos
faltava-lhe tinta!

Adormeça, minha canção
Que eu te farei sem pressa,
E te cuidarei sem medo
De olhar-me no espelho


Ingênuo poeta,
Se fingia alerta, mas vivia em plena
Areia movediça, tragado inerte,
Caiu na armadilha de viver em sonho
Quando tudo era certo e havia por sê-lo
De todo delírio, restou-lhe alguns versos
E poucos desejos

Seu sustento, seus poucos proventos
Iam e vinham ao sabor do vento
E se eu tento convencê-lo a mudar,
Dá-me as costas e se põe a marchar!

Carreguei esta canção por meses na barriga
Dei-lhe vida ao violão
Gestei estes versos imersos no meu ventre
Paridos da minha própria mão
Enquanto eles estão cheios de ideias
Eu não tenho tempo
Enquanto eles estão cheios de teorias
Eu já estou farto
Enquanto eles se arrumam e esperam o salto
Eu não tenho medo
E quando o dinheiro não tiver mais valor
E o amor não for mais propriedade
E quando o céu precisar desabar
E o amar será então de verdade
Quem sabe eu volte atrás
Quem sabe, quem sabe?
Eu rume contra a história
E mate a poesia que houvera outrora?


Ele era um poeta em que a ironia falava
mais alto.

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